RESUMO - E SE MARIE CURIE FOSSE NEGRA?

Elisson Lima Santos
Universidade Federal de Sergipe

1999elissonlima@gmail.com

 

Fernanda Amorim Accorsi

Universidade Federal de Sergipe

accorsifer@gmail.com

 

 

Resumo 

As ciências foram constituídas histórica, social e epistemologicamente como atividades androcêntricas, brancas e eurocentradas, negando e invisibilizando tanto a mulher, quanto o povo negro e não europeus em seu desenvolvimento e atividades (SARDENBERG, 2002; RIBEIRO, 2019). Algumas figuras conseguiram ludibriar tais normas hegemônicas das ciências como a polonesa Marie Curie, vencedora, respectivamente, do Nobel de Física em 1903 e de Química em 1911 (STRATHERN, 2000). Por mais que tenha contribuído para o rompimento sistêmico da ideia de que as ciências não eram para as mulheres, Marie possuía privilégios de raça e etnia, afinal, era uma mulher branca e europeia. Portanto, o que aconteceria se Marie Curie fosse negra? A referida questão pode descortinar o apagamento histórico e epistemológico de mulheres negras, que são duplamente atingidas pelas normativas androcêntricas e raciais nas ciências, refletindo sobre a sua representatividade. É preciso saber que a Ciência Moderna é fundamentada em normatividades biológicas e em dualidades como, mente/corpo, razão/emoção, ativo/passivo e homem/natureza, das quais, histórica e socialmente, os primeiros se referem ao homem com um ideal de regedor, enquanto os segundos se referem à mulher, ideologicamente, como submissa, não podendo, assim, fazer ciências (SARDENBERG, 2002; ALBUQUERQUE, 2006; RIBEIRO, 2019). Logo, sendo a ciência um lócus de dominação do homem sobre a natureza, jamais a mulher poderia estar no espaço de cientista, pois a ela é atribuído o sentido de natureza (ALBUQUERQUE, 2006). Todavia, “a luta, digamos que hegemônica em sua configuração histórica representada por mulheres brancas, nunca representou a história das mulheres negras: invisibilizadas por serem negras e mulheres” (RIBEIRO, 2019, p. 31). Nesse contexto, proponho como estratégia de resistência pedagógica o trabalho com a história de mulheres negras nas ciências como, as físicas Katherine Johnson, Shirley Ann Jackson, Sônia Guimarães e Katemari Rosa, além das químicas Alice Augusta Ball e Marie Maynard Daly (MORAIS e SANTOS, 2019; SILVA e PINHEIRO, 2019) para que as mulheres negras que integram ou queiram integrar as áreas científicas se vejam representadas, assim, desestruturando as redes hegemônicas de opressão de gênero e racial. Posso afirmar que “quem possui privilégio social possui privilégio epistêmico” (RIBEIRO, 2019, p. 33), por isso, as mulheres foram excluídas das ciências. Ademais, contar a história das contribuições científicas de Marie Curie é importante para evidenciar uma história diferente daquela que nos foi dita e escrita por homens. No entanto, ela não representa todas as mulheres devido às questões étnico-raciais. Dessa forma, questionar a branquitude de Marie pode revelar o duplo apagamento histórico e sociocultural que as mulheres negras foram/são submetidas, bem como buscar ressaltar as histórias não contadas de importantes nomes das ciências, que foram invisibilizados por serem mulheres e/ou negras.

Palavras-chave: Mulher na Ciência. Mulher Negra. Apagamento Cultural. Representatividade.

Comentários

  1. Excelente trabalho! Vocês têm conhecimento ou já fazem essa discussão em sala de aula?

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    1. Um dos referenciais faz uma análise da percepção de estudantes do curso de Física sobre o perfil de cientistas, evidenciando que a maioria dessas/desses discentes não conseguem enxergar uma pessoa negra como alguém que exerce e faz ciências devido a ínfima ou nenhuma representação dessas/desses no currículo do curso. Essa ideia é muito recente e surgiu das reflexões que fiz sobre os perfis dos cientistas que vi nas disciplinas do curso que faço (Química Licenciatura), todos brancos e homens, com exceção da Marie Curie e Marie-Anne Lavoisier. Como a primeira é o nome mais conhecido na Química, indagamos sobre os seus privilégios enquanto branca e europeia, além da dupla opressão que mulheres negras sofreriam/sofrem no âmbito das Ciências Naturais. Mas, ainda não realizamos tal discussão em sala de aula, porém, gostaríamos muito. Para mim, é de grande valia!

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    2. Espero ter respondido, creio que falei um pouco demais. Perdão!

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    3. Obrigado pelo elogio ao trabalho, esqueci de agradecer... desculpa!

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  2. Já catalogaram outros nomes de mulheres negras cientistas além dos já comentados no resumo?

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    1. O trabalho surgiu por meio de reflexões que fiz sobre os perfis dos cientistas que vi nas disciplinas do curso que faço (Química Licenciatura), todos brancos e homens, com exceção daquela que está no título do mesmo e Marie-Anne Lavoisier. Até o momento do desenvolvimento do trabalho, eu não conheci nenhuma/nenhum cientista negra/negro que integrasse nas Ciências Naturais. As mulheres citadas no trabalho foram encontradas por meio de uma pesquisa por representações. Todavia, ainda consideramos pouco o quantitativo e necessitamos fazer outras buscas, pois, o processo de apagamento dessas personagens históricas torna o seu encontro bastante desafiador.

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    2. Espero ter respondido, creio que falei um pouco demais. Perdão!

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  3. Sou suspeita para falar, mas seu trabalho está incrível!! 👏🏽👏🏽👏🏽

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